Meu Estúdio Maravilhoso
Sem Briga
Sexta-feira, Fevereiro 25, 2022

Amanda ficou furiosa e franziu as sobrancelhas. Como o professor André podia ousar colocar ela e Miguel para limparem a sala de aula juntos? Ele com certeza poderia ter dado um castigo mais humano pela discussão que eles tinham recém tido durante a aula. Ele sabia que desde o primeiro dia de aula do quinto ano eles brigavam. Amanda deu um longo suspiro quando se lembrou daquele dia fatídico quando os dois declararam guerra.

Ela tinha entrado na sala já atrasada, toda alvoroçada, e sem estar devidamente preparada como gostaria, quando então trinta pares de olhos curiosos e impacientes olharam fixamente para ela. Sentiu um calor subir pelo pescoço até o rosto e ficou corada. Instintivamente alisou o vestido e passou os dedos no cabelo todo embaraçado pelo vento.

— Ai, olha só a princesa tentando nos impressionar com sua roupa bonita! Que linda! — disse uma voz atrás dela zombando.

Amanda congelou por um momento, chocada e sem graça. Era o Miguel, claro. Sua preocupação de menina com a aparência que era geralmente perfeita, de algum modo o instigou a implicar com ela.

Ficou corada de raiva e mostrou o punho para ele. O professor André correu para impedir a briga....

Nos meses que se seguiram, a personalidade melindrosa e autoconsciente de Amanda divertia o descarado e falador Miguel, que expressava seu divertimento com risinhos e comentários mordazes. O ego ferido de Amanda a levava a reagir fazendo uma cena e cheia de raiva—o que contradizia seu comportamento que, de modo geral, era de uma lady.

Amanda tremeu só de lembrar o tom alto e ridiculamente agudo do Miguel naquele dia terrível seis meses atrás. Ela correu para pegar os panos de chão e o material de limpeza para sua tão temida tarefa, ansiosa por terminar aquilo logo.

Miguel, que já estava limpando um vidro da janela, parou seu trabalho e exclamou:

— Mas que honra! Limpar janelas com a doce Amanda.

Amanda teria lhe dado um soco nas costelas se não estivesse tão determinada a terminar aquela tarefa tão desagradável o mais rápido possível. Por agora, ela retrucou:

— Cala a boca pedra no sapato!

Depois desta breve troca de cumprimentos, ambos trabalharam sob um silêncio tenso por um tempo, observando cheios de inveja os seus amigos saindo correndo para desfrutar daquela tarde fresca de verão. A raiva de Amanda havia amainado um pouco em meio ao brilho da satisfação que sentiu ao ver aquelas janelas antes sujas e manchadas ficando limpas e brilhando feito espelhos.

Por um momento ela esqueceu de sua agitação quando olhou para Miguel. Ele estava se esforçando ao esfregar uma mancha no vidro, totalmente absorto no seu trabalho e sem mostrar nenhum sinal de estar formulando outra alfinetada contra ela. Amanda sentiu uma ponta de admiração pela diligência dele. Ela também ficou ligeiramente ciente de que ambos, por mais estranho que parecesse, sentiam algo em comum: os dois estavam tentando acabar com aquela tarefa desagradável o mais rápido possível; ambos chateados e ansiosos para estarem logo com seus amigos.

Mas ela então sentiu um fedor vindo da camiseta suada do Miguel, que contrastava totalmente com seu vestido imaculadamente limpo e seus cachos loiros meticulosamente penteados. Quando seu rosto estava para escurecer sob uma carranca e seu desagrado ressurgiu, uma mancha de giz de cera marrom na parte debaixo do vidro chamou sua atenção.

— Você não fez um trabalho muito bom nessa janela! Olha aquela mancha ali! — Amanda apontou toda metida com o dedo para a mancha.

Uma centelha de mágoa passou pelo semblante de Miguel, mas então ele logo retrucou:

— Ah é? Ora, você tem limpador de vidro nesse seu vestido ridículo. Que linda mancha marrom você tem bem ali!

— Aaai! — Gritou Amanda ao ver uma mancha feia no seu vestido azul preferido. — Você não tinha que ser tão cruel! — contestou, sentindo-se mais humilhada por sua tentativa de perturbar Miguel ter falhado do que com o comentário malvado. Acabou de limpar o último vidro e saiu batendo os pés, furiosa pelo bate-boca com Miguel ter acabado com ele tendo conseguido envergonhá-la.

Ao passar correndo por Miguel—que tinha acabado de limpar a mancha de giz de cera e estava agora igualmente irritado—ele deu uma risadinha e depois soltou uma gargalhada na sua cara. Amanda não conseguiu se conter e deu um soco no braço dele, derrubando a garrafa de limpa vidros no chão de tal maneira que a tampa caiu e derramou o líquido.

— Olha só o que você fez! — Ambos gritaram um para o outro justo quando o professor André estava entrando na sala.

— O que aconteceu aqui? — ele perguntou.

Amanda por um tempo não sabia o que dizer, mas Miguel nunca ficava sem saber o que dizer.

— Ela bateu no meu braço e fez a garrafa cair no chão — declarou, apontando para Amanda.

O professor André então perguntou a Amanda por que ela lhe deu um soco.

— É que… ele riu de mim porque... eu tinha uma mancha de limpa vidros no vestido. Ele me deixou furiosa! — Amanda não tinha intenção de acrescentar esta última frase, mas escapou.

— Entendi. Então você bateu nele porque estava zangada, e queria revidar. Ele feriu você, então você o feriu. Mas, entenda, você acabou ferindo a si mesma. Agora tem uma bagunça para limpar, e espero que isto a ajude a aprender que briga e mau gênio nunca vão ajudá-la a resolver problema algum.

— E você, Miguel, se não tivesse zombado da Amanda, nada disso teria acontecido. Você tem o mau hábito de zombar dos outros. Talvez ache que seus amigos o consideram esperto e maneiro, mas isso é simplesmente bullying. Amanda e Miguel, espero que pensem no que eu lhes falei enquanto limpam esta bagunça — concluiu o professor André sério antes de ir até sua mesa juntar alguns papéis.

Depois que Miguel saiu para pegar um esfregão, o professor André voltou para falar com Amanda que estava toda amuada esperando o Miguel voltar.

— Sabe — disse mansamente, — quando você desconta assim no Miguel está lhe dando justo o que ele quer—reagindo com raiva. As pessoas que gostam de implicar com os outros adoram ver os outros reagirem com raiva e lágrimas. Em vez disso, use um pouco de autocontrole e fique fria, Miguel vai logo ver que não é tão divertido implicar com você. Miguel está errado, mas você também. Você o vê como o inimigo da sua felicidade, e se esquece que ele também tem seus pontos bons. Pensar nele como inimigo só faz com que você perca a razão e as estribeiras.

Amanda meneou a cabeça com lágrimas nos olhos, e depois que Miguel voltou, o ajudou a limpar tudo em silêncio. Eles então partiram rapidamente e sem dizer uma só palavra.

Amanda sabia que chegaria à casa mais tarde do que de costume, mas estava tão entretida nos seus próprios pensamentos que nem se preocupou com o que sua mãe iria dizer. As palavras do professor André ecoavam em seus ouvidos...

Quando você desconta assim no Miguel está lhe dando justo o que ele quer... Torceu o nariz enquanto remoía aquilo que lhe soava tão estranho. Nunca pensei nisso antes! Ponderou. Sempre pensei que brigar mostraria ao Miguel que não tolero o bullying dele, que não sou medrosa, porque ele sempre me chama de “metida a princesa”! Mas, pensando bem, sempre que começo a bater e gritar ele ri e parece ficar super contente. E isso me deixa ainda mais furiosa, e ele consegue ser ainda mais desagradável!

As palavras do professor André faziam sentido, mas Amanda ressentia a ideia de ignorar Miguel calmamente. Ele não merece ser apenas ignorado! Ela jogou uma pedrinha ao chão no caminho ao lembrar do risinho sarcástico de Miguel. Ele merece o que recebe, mas sempre que lhe dou o que merece, eu me meto em encrenca, e as outras crianças me encorajam dizendo: “É, dá um bom soco nele!”. Vou parecer uma covarde total se não fizer nada. Gemeu. O professor André provavelmente tem razão sobre o Miguel ter pontos positivos, mas não consigo ver nenhum!

Amanda parou de remoer tudo aquilo quando olhou para cima e viu seu tio Ronaldo, que morava perto dela, a apenas alguns metros de distância à sua frente. Como seu pai havia morrido quando ela ainda era menor, Amanda confiava e respeitava seu tio Ronaldo como a figura paterna na sua vida.

Apertou o passo e o chamou pelo nome:

— Tio Ronaldo! Tudo bem?

— Tudo ótimo! E você, Amanda querida? — perguntou ele todo feliz ao vê-la.

Ela deu um suspiro e baixou os olhos.

— Não tão bem.

— Você quer me contar o que aconteceu?

E ela contou, e acabou dizendo:

— O que você acha? Miguel é um verdadeiro pesadelo! Mas talvez o professor André tenha razão...

Tio Ronaldo ficou quieto por um momento.

— Seria bom você seguir o conselho do seu professor, mas não tem que apenas aceitar os comentários ofensivos e a maldade do Miguel. Pode dizer firme e calmamente, ‘Miguel, eu não gosto do que você está dizendo. Por favor, pare.’ E quanto às outras crianças, acho que elas estão mandando você brigar porque gostam de ver a confusão. Na verdade elas não se importam se você vai receber ‘justiça’ ou se o Miguel vai receber o que merece. Elas só gostam de ver todo o drama.

— É mesmo?! Eu nunca pensei...

— Elas talvez tentem fazer com que você sinta que se tiver autocontrole significa que é uma fracote, porque sentem falta de todo o teatro de quando você faz uma cena, — continuou o tio Ronaldo — mas não lhes dê ouvidos. Nunca se esqueça de que autocontrole, não mostrar os punhos, é sinal de força. E quando interagir com o Miguel, não se contente em um cessar fogo tenso no qual você está pronta para explodir. Tente encontrar um denominador comum. Por exemplo, se Miguel adorar os programas com o Homem Aranha, tente conversar com ele sobre isso. Vocês talvez nunca se tornem os melhores amigos, mas pelo menos podem ser amigáveis um com o outro.

Amanda meneou a cabeça lentamente.

— Obrigada, tio Ronaldo. Eu sabia que você ia me ajudar.

— Experimente isso e depois me diga como foi, OK?

Naquela noite ela estava muito reflexiva, mas todo o peso e frustração que pesavam sobre ela antes tinham sumido. Ela sussurrou, “Jesus, por favor, me ajude amanhã.” E então escreveu um novo slogan em um cartão e o postou na sua mesa: NADA DE RAIVA, NADA DE BRIGA. Vai ser muito, mas muito difícil fazer isto!

* * *

—Oi, Amanda! Sente-se melhor hoje? — Perguntou o tio Ronaldo todo animado acenando.

— Sim. Obrigada, tio Ronaldo. — Amanda retribuiu o sorriso e o acompanhou. — Não foi tudo perfeito, sabe. O Miguel melhorou, não implica mais tanto comigo, e isso é um alívio. Mas ele ainda me despreza por ser... uma menina, acho, e muito feminina ainda por cima. Ele ainda faz gracinhas e zomba, e faz qualquer coisa com a qual possa se safar! E eu ainda bato nele de vez em quando, porque não consigo me conter! Mas muito menos do que antes. Como você disse, meus amigos ficaram decepcionados quando mudei meu comportamento, mas tentei não ligar para isso. Também descobri que o Miguel adora futebol, então talvez eu lhe dê um chaveiro com uma bola de futebol que meu irmão mais velho me deu faz uns anos.

— Isso já é progresso! Não espere mudar imediatamente. Basta continuar se controlando quando estiver para perder a cabeça. Faça isso cada dia e verá um progresso constante. Mantenha a cabeça aberta para novas oportunidades de elogiar o Miguel, ou incluí-lo nas conversas.

Depois de se despedir do tio Ronaldo, Amanda voltou seus pensamentos para o céu: Jesus, estou decepcionada por não ter conseguido seguir o meu lema totalmente, mas sei que é preciso tempo para perder um mau hábito.

Amanda ficou determinada de coração a fazer progresso e pensar positivamente sobre o Miguel.

Autoria de Elsa Sichrovsky. Ilustrado por Y.M. Design de Roy Evans.
Publicado pelo My Wonder Studio. Copyright © 2022 por A Família Internacional
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Tagged: amor, histórias infantis, raiva, resolução de conflitos