Meu Estúdio Maravilhoso
Puppendorf 03: “Mão de Luva”
Quarta-feira, Maio 26, 2021

—Você fez uma refeição deliciosa, Karina — disse Angela, enquanto ela, Dóris e Priscila fingiam comer do aparelho de jantar de brinquedo.

—É uma comida italiana, não é? — perguntou Dóris. — Esqueci o nome.

—Risotto — respondeu Karina.

—As irmãs Dondocas não vem? — perguntou Priscila.

Karina ficou triste.

—É... perguntaram o que eu ia cozinhar, e quando falei o que era, disseram que preferiam comer salada.

—Hmm — disse Angela, com uma expressão preocupada. — De qualquer forma, hoje elas vão comer fora.

—E Anabela? — perguntou Priscila. — O que está acontecendo?

—Nada. Não estou com fome.

—Não está com fome? Você não comeu o dia inteiro. Que eu saiba, só beliscou um pouco de pipoca durante o vídeo.

—Só não estou com fome — disse Anabela encolhendo os ombros.

—Pelo menos tente comer alguns legumes.

Anabela suspirou e colocou duas colheradas de cenoura no prato. Comeu uma garfada e depois colocou as mãos debaixo da toalha. Sem entender, Priscila abanou a cabeça.

Depois de uma batida na porta e o convite para entrar, um bonito rosto bronzeado de vinil com queixo saliente e cabelo de plástico preto espreitou pela porta.

—Ken! — exclamou Karina.

—Bárbara e Beverly estão por aqui? — perguntou ele.

—Elas estão na sua nova casinha das Dondocas — respondeu Angela.

—Elas sabiam que eu ia levá-las para sair?

—Claro que sim — respondeu Dóris. É por isso que faz duas horas que estão experimentando roupa, escovando o cabelo e se maquiando.

—Só duas horas? Isso quer dizer que vou ter que esperar pelo menos mais uma. Bem, acho que posso simplesmente relaxar.

—Você já comeu? — perguntou Karina.

—Na realidade não. Era para eu levar as Dondocas para jantar, mas a única coisa que elas vão querer comer é uma salada sem gordura e água mineral, e me olham atravessado se como algo mais do que uma sopa. Puxa vida.

—Bem, Karina fez um delicioso prato italiano de ... ahh...

—Risotto — disse Karina.

—Risoto? — Como a qualquer hora, e estou faminto como um urso.

—Não como este urso aqui — murmurou Lucas.

—Ok, Lucas — respondeu Angela. — Só porque não é mel ou melaço, não quer dizer que não pode comer e ficar agradecido.

—Apenas cinco minutos depois de Ken ter começado a devorar o seu prato de risotto, Bárbara e Beverly Dondoca entraram pomposamente.

—Achei que íamos jantar fora! — perguntou Bárbara.

—Ah, é que... — começou Ken a dizer.

—Nós o convidamos—respondeu Angela. — Ele não teve como recusar.

—Hmm — disseram as irmãs Dondocas em uníssono.

—Espero que ele entenda que uma refeição dessas pode aumentar a sua cintura em vários centímetros— disse Bárbara.

—Isso é ridículo — respondeu Dóris. — É uma refeição saudável e boa para nós. Além disso, as bonecas não ganham peso.

—Agora estão dizendo que ganhamos — disse Beverly.

—É o que diz na última revista Bom Para Nada — disse Bárbara.

—Minha nossa — disse Karina. — O que vamos fazer?

—Dizer ‘não’ a essas comidas, como a Bela — disse Beverly. — Certo Bela?

—Ah... certo” — disse Anabela, olhando nervosamente para o prato.

—Dizer não ao quê? — Perguntou Priscila.

—À gordura — murmurou Anabela.

—Olha, acho que deveríamos ir voando — disse Bárbara Dondoca apressadamente. — Reservamos uma mesa. Não seria bom chegarmos tarde.

Ken engoliu mais algumas garfadas e relutantemente se desculpou com um sorriso.

—O dever me chama — disse ele, piscando o olho para Anabela.

—E Bela, não se esqueça de checar antes de ir para a cama hoje à noite — disse Beverly, enquanto ela e Bárbara se dirigiam para a porta, com Ken caminhando lentamente atrás delas.

—Checar o quê? — perguntou Priscila.

—A balança na casinha das irmãs Dondocas — murmurou Anabela.

—Por quê? Está quebrada? — perguntou Dóris.

—Não — disse Priscila — acho que...

*

—Estou preocupada com Anabela — sussurrou Priscila, puxando Angela e Dóris para o corredor. — Ela não é de recusar sorvete, e é a segunda vez que faz isso.

—Pode ser da idade — disse Angela. — Mas reparei que ela se olha muito no espelho. Não se admirando, como as Dondocas, mas preocupada.

—É — disse Dóris. — Ela parece estar sempre preocupada.

—É verdade — disse Priscila. — E uma coisa engraçada, é que antes de eu a colocar para dormir, ela estava sentada em cima das mãos, como à pouco quando o Ken entrou.

—É mesmo — comentou Ângela. — Também reparei, mas não pensei nada a respeito. Você comentou alguma coisa com ela?

—Perguntei por que estava fazendo isso, mas ela não respondeu.

—Humm — disse Dóris, coçando o queixo. — Anabela tem passado muito tempo com as Dondocas, e me pergunto se isso a está deixando muito ciente de si mesma.

*

—É porque ela tem mãos de luva — confidenciou Karina mais tarde, depois de Priscila não ter recebido nenhuma explicação de Anabela.

—O que você quer dizer com isso?

—As Dondocas estavam comentando sobre as mãos de cada um. Claro que elas não incluíram as patas de Lucas, de Fofinho nem de Jimbo, mas disseram que as minhas eram bonitas, apesar de não serem tão longas nem delicadas como as delas. Eu não me importo, não quero ser vaidosa que nem elas; mas depois elas olharam para a Anabela e riram.

—Isso é cruel — disse Angela.

—Eu sei. Depois Beverly disse que ela tinha mãos de luva.

—Mãos de luva? — disse Priscila — por quê?

Tendo escutado a explicação de Priscila, Anabela começou a chorar.

—Porque não tenho dedos finos e longos que nem as Dondocas — disse por entre lágrimas. — Na realidade, eu nem sequer tenho dedos.

—Mas Anabela, essas são as suas mãos, você foi feita com elas, e não existem outras como elas.

—Quem dera eu pudesse voltar para a fábrica e ser totalmente refeita.

—Ah, não — disse Dóris — que escutava a conversa enquanto arrumava o quarto. — Nem iríamos reconhecer você. Não seria a mesma Anabela que todos amamos.

—Nem todos vocês me amam — disse Anabela.

—Amamos sim — disseram Karina, Fofinho, Lucas e Jimba em uníssono.

—As Dondocas não.

—Amam sim — disse Priscila — elas apenas ... ah ... demonstram isso de maneira diferente.

—Ken gosta de você — disse Karina com um sorriso malicioso.

—Isso é absurdo — disse Anabela.

—Gosta sim — continuou Karina. — Ele quase nunca fala comigo. Mas sempre fala com você.

—E sempre se certifica de se despedir de você — acrescentou Dóris. Já reparei nisso.

—A porta se abriu e Ken e as irmãs Dondocas entraram.

—Estamos de volta da nossa noite na cidade — disse Ken. Mas eu estou morrendo de fome.

—Morrendo de fome? — questionou Bárbara.

Ken! —exclamou Beverly.

—Isso mesmo! Morrendo de fome! Sobrou um pouco daquele risoto?

—Um montão! — respondeu Karina, levantando-se de um pulo. — Vou esquentar um pouco.

—Oi Bela — disse Ken.

—Oi Ken — respondeu Anabela corando.

—Oh, desculpe. Vejo que você esteve... ah... chorando.

—Ela passou uma pequena dificuldade — explicou Priscila baixinho.

—Oh, sinto muito — disse Ken. — A propósito, ‘Anabela’ é um nome lindo. Foi a Priscila que o escolheu?

—Ah... sim. É porque fui um presente de Natal para ela e eu pareço a boneca da história de Anabela, a boneca de Natal.

—Anabela, a boneca de Natal! — exclamou Ken. — Puxa! Que incrível! Lembro que era uma das histórias favoritas da minha irmã, quando eu era criança. Não minha, claro, mas eu adoro o nome.

—Acho que vamos indo para a cama — disse Bárbara Dondoca friamente.

—É — disse Beverly — uma vez que a nossa noite juntos tomou outro rumo.

—Eita — disse Ken, dando um tapa na cabeça. — Às vezes sou muito insensível. Nem reparei que vocês estavam ... é ... tipo esperando.

—Está ótimo — disse Bárbara. Já tínhamos terminado. Pode ir em frente e terminar a sua conversinha.

—Que parece estar desfrutando inteiramente — acrescentou Beverly. Nem pensaríamos em ser desmancha prazeres.

As irmãs Dondocas jogaram a cabeça para trás e caminharam pomposamente para a sua casinha.

—Então, Anabela — continuou Ken depois de se certificar rapidamente que elas tinham ido embora. — Ouvi dizer que você gosta muito de ler.

—Anabela meneou a cabeça timidamente.

—É óbvio. Você é muito inteligente, mas sem ser altiva e presunçosa. O que você gosta de ler?

—Não sei exatamente... clássicos, alguns romances históricos, histórias da Bíblia, e adoro biografias.

—Diga-me uma coisa... — disse Ken meneando a cabeça pensativamente.

*

—Parece que eles ainda estão conversando — disse Angela, enquanto ela, Dóris e Priscila arrumavam a cozinha. — Ken ainda não foi embora.

—Priscila, talvez você pudesse lembrá-lo que é hora de Anabela ir se deitar — disse Dóris.

—Nesse momento, a porta da cozinha abriu-se de rompante.

—Ken! — disse Priscila aliviada. — Você está indo embora agora?

—Sim! Desculpe, o tempo voou, mas foi uma conversa fascinante. Bela consegue falar sobre qualquer coisa! Faz-me sentir um ignorante!

—Desculpe — disse Priscila. —Anabela tem a tendência de falar sem parar quando começa a falar sobre seus pontos de vista e tudo o mais.

—Não tem problema. Foi a conversa mais interessante que já tive em anos. Devemos ter falado de tudo, desde cultura popular à política, passando pela história e humanismo! — disse Ken revirando os olhos e sorrindo cansado. — Mas com as Dondocas é uma discussão sem fim sobre cuidar dos cabelos, maquiagem, roupas, exercício para emagrecer e depois começa tudo de novo.

—Humm — disse Angela — a conversa delas pode ser um tanto limitada.

—Mas elas também conversam sobre coisas que os homens gostam — disse Dóris — já as ouvi falar dessas coisas.

—Ah sim — respondeu Ken — estrelas de rock, esportes, malhar os músculos e carros. Mas gosto de conversar sobre outras coisas. De onde nós viemos? Por que estamos aqui? Para onde estamos indo? Como é Deus? Será que existe sequer um Deus? Coisas como as que Bela e eu conversamos hoje. Imaginem, eu saí para a cidade com duas beldades Dondocas, e acabo morto de tédio, volto para cá faminto, e passo o melhor momento da minha vida conversando com uma garota incrivelmente inteligente!

—Maravilhoso! — disse Priscila.

—A Bela é fantástica.

—É mesmo, Ken. Quem dera que ela pudesse ouvir você dizer tudo isso. Ultimamente tem andado triste por causa da sua aparência.

—Da aparência?

—É. Especialmente por causa do seu peso e mãos.

Peso? Mas ela é simplesmente linda ... e suas mãos... bem, quando começamos a conversar ela estava sentada em cima delas, o que eu achei meio estranho.

—Ela está muito ciente delas — disse Priscila.

—É, mas depois quando começou a expressar suas opiniões, deve ter esquecido de si mesma, e começou a gesticular a torto e a direito! Ela tem mãos ímpares e muito expressivas.

—É mesmo, mas sabe o que acontece... umm... só um momento...

Priscila fez uma pausa, foi na ponta dos pés até à porta da cozinha e a abriu.

—Anabela! Ouvi uns ruídos. Você estava escutando?

—S-sinto muito. D-desci para dar boa noite, e o-ouvi o Ken falar e m-mencionar o meu nome.

—Mas por que você está chorando? — perguntou Priscila, subindo as escadas com Anabela, para evitar que a boneca chorosa ficasse envergonhada ao encarar os outros. — Está tudo bem?

—Está tudo b-bem. É s-só que... as coisas que Ken disse me fi-fizeram tão feliz que eu n-não consigo parar de cho-chorar.

—Que maravilha, querida — disse Priscila — e o que é que ele disse das suas supostas mãos de luva?

—Ãaa...a-algo sobre elas serem ímpares e... qual era a palavra?

—Expressivas — disse Priscila, aconchegando Anabela na sua cama de caixa de sapatos. — Ele quer dizer com isso que você move suas mãos de uma forma interessante para dar ênfase ao que está dizendo.

Então, naquela noite, Anabela foi dormir com um sorriso de satisfação no rosto, e grata não só pelas suas mãos, mas pela forma como a fábrica havia feito cada parte dela.

E no dia seguinte, devorou sem receio um prato gigantesco do delicioso risoto da Karina.

Autoria de Gilbert Fenton. Ilustrações de Jeremy. Design de Roy Evans.
Publicado pelo My Wonder Studio. Copyright © 2021 por A Família Internacional.
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Tagged: contentamento, histórias infantis, puppendorf, como a criança se vê